codigo de redencao aajogo -“Respeitamos governos até que eles se oponham à palavra de Deus. (...) A palavra de Deus [está

Bíblia e avião- Mcodigo de redencao aajogo -issionários em busca de indígenas

“Respeitamos governos até que eles se oponham à palavra de Deus. (...) A palavra de Deus [está] acima de tudo”.Embora pareça um slogan político da extrema direita brasileira,íbliaeaviãoMissionáriosembuscadeindícodigo de redencao aajogo - a declaração é do missionário evangélico Andrew Tonkin, processado no Brasil por invadir terras indígenas. 

Continua após publicidade

Colocar religião acima das leis não é retórica exclusiva de Tonkin, mas uma indicação do que algumas denominações religiosas são capazes de evangelizar povos indígenas, principalmente na Amazônia.

Alguns missionários são pilotos e usam seus próprios aviões para percorrer longas distâncias. A maioria dessas organizações está sediada nos Estados Unidos e faz vaquinhas online para financiar suas atividades, como treinar pastores-pilotos e traduzir a Bíblia para a língua nativa das comunidades. No entanto, a qualidade de algumas traduções é questionável.

Esses grupos também demonstram interesse especial em alcançar povos isolados - uma violação da Constituição Federal e de tratados internacionais assinados pelo Brasil que exigem respeito aos costumes e estilos de vida dos povos nativos.

Uma das regiões mais atingidas é o Vale do Javari, região que abriga a maior concentração de povos isolados do país. "Vemos uma presença cada vez maior [de missionários evangélicos], de diferentes doutrinas", afirma Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

Embora os grupos atuem lá desde a década de 1960, Eliesio diz que a presença dos religiosos e as investidas contra os indígenas na região se intensificaram durante o governo de Jair Bolsonaro. "Eles procuram principalmente o contato com índios que moram na cidade, oferecendo dinheiro e vantagens", relata.


Vale do Javari, região com maior concentração de povos isolados do país / O Joio e O Trigo

“Acredito que Deus estabeleceu governos e nós obedecemos às leis dos seres humanos. Respeitamos governos e obedecemos até que eles ensinem ou falem contra a palavra de Deus. Colocamos Jesus Cristo e a palavra de Deus acima de tudo. É a nossa autoridade final”, declara. Leia a entrevista na íntegra. 


Andrew Tonkin é processado por tentar entrar ilegalmente em terras indígenas onde vivem isolados / Foto: Reprodução/Facebook

De avião

Além de Tonkin, a Univaja também processou o missionário-piloto Wilson Kannenberg. Ele está ligado à Wings of Relief norte-americana, uma organização missionária cristã que fornece apoio logístico, incluindo aviões, para áreas remotas. Kannenberg teria usado um hidroavião para acessar o Vale do Javari e tentar evitar a fiscalização que impede a entrada no território.

Segundo a Univaja, a Wings of Relief não realiza apenas “missões humanitárias”, mas promove invasões de terras indígenas em busca de povos isolados. 

A Wings está sediada em Anápolis, Goiás, cidade que serve como centro de operações para várias organizações missionárias que atuam na Amazônia. A instituição financia a formação de pilotos e mecânicos, o que a torna atrativa também para quem não tem interesse em atividade religiosa. 

A Wings se recusou a responder às perguntas enviadas pela reportagem. Em nota assinada por advogado, negou participação em qualquer atividade ilegal. 


Asas de Socorro, uma organização missionária cristã que fornece apoio logístico, incluindo aviões, para áreas remotas / Foto: Reprodução/Asas do Socorro

Outro mencionado na ação movida pela Univaja e aceita pelo Tribunal Federal de Tabatinga (AM) é Josiah Mcintyre, da Ethnos360 - uma organização missionária americana ligada à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB). 

Durante a pandemia, missionários da MNTB sobrevoaram o Vale do Javari em helicópteros sem autorização da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo, o helicóptero Robinson R-66 foi adquirido no final de 2018 com doações de simpatizantes no site da instituição nos Estados Unidos. A MNTB também foi processada pela Univaja. Os três missionários e a MNTB foram proibidos de entrar no território pela Justiça.

"É curioso como muitos cientistas lutam e não conseguem autorização para passar um ano na floresta e eles [missionários] permanecem por décadas sem [sofrerem] nenhuma interferência", analisa o linguista Daniel Everett, ex-missionário norteamericano que hoje é ateu e crítico dessas denominações religiosas.

Kannenberg foi localizado pelas redes sociais, mas não respondeu aos pedidos de entrevista. Josiah Macintyre não foi localizado pela reportagem.

Procurada, a MNTB disse, em nota, que atua "dentro da legalidade, em respeito à lei, aos povos indígenas e aos seus direitos constitucionais de autodeterminação". Afirmou ainda que não colocou em risco os povos indígenas do Javari durante a pandemia e que deixou a região antes mesmo da ordem judicial. Leia o posicionamento completo.


Vale do Javari / Foto: Gleison Miranda/Funai

Bíblia sem ambiguidade

Após desembarcarem no país, os missionários aprendem os idiomas dos povos originários, produzem dicionários e gramáticas e usam esse conhecimento para traduzir a Bíblia e pregar para os indígenas em suas línguas nativas. Porém, sutilezas do livro sagrado acabam ficando de fora das traduções, avalia Everett.

"A Bíblia é um livro bastante ambíguo e, na tradução, o missionário já tira essa ambiguidade, para adaptar o texto à sua própria ideologia, muito conservadora e ligada ao discurso da extrema-direita cristã", explica o ex-missionário.

Utilizado desde os anos 1960, esse método continua sendo largamente empregado pelos missionários. O Ethnos360 mantém arrecadações abertas para financiar traduções do livro sagrado dos cristãos para os idiomas de povos originários de diferentes localidades do planeta.

No site da instituição, é possível doar dinheiro diretamente para o trabalho de cada um dos missionários, mesmo que a página não especifique o que fazem e o município onde atuam. Só no Brasil, atuam mais de 50 missionários.

Outro site ligado às missões estrangeiras é o Joshua Project. A entidade tenta atrair ao menos 47 religiosos para atuar no Brasil, com mapas de locais onde as atividades devem ser desenvolvidas.

Entre os públicos-alvo da pregação no país estão judeus, islâmicos e outras comunidades estrangeiras. Mas o grande foco são os indígenas.

"A ideologia levada pelos missionários é reacionária e ligada aos valores dos Estados Unidos", afirma Everett. Ele lembra que boa parte desses religiosos apoiava a ditadura militar e, mais recentemente, Bolsonaro. E recebia benefícios em troca, como a permanência nos territórios indígenas.

É o caso do pastor Steve Campbell, da igreja Greene Baptist Church, cuja família atua há 60 anos entre os Jamamadi, em Lábrea (AM). Levado pelos pais, também missionários, em 1963, ele fala a língua dos indígenas e convive com eles desde criança.

Segundo o indigenista Daniel Cangussu, um dos principais impactos causados pela presença do missionário é o conflito geracional. Campbell apoia lideranças mais jovens, que têm melhor domínio do português e do uso de tecnologias, o que contribui para deslegitimar os mais velhos.

"Há um efeito grave nas aldeias, pois os mais velhos perdem a credibilidade. Isso é bem sério, eles têm se afastado entre si e isso desorganiza bastante a situação interna. É algo que a gente nunca viu acontecer", explica Cangussu.

Em 2018, o missionário Campbell foi expulso pela Funai da Terra Indígena Jarawara/Jamamadi/Kanamanti, após liderar uma expedição que entrou, sem autorização das autoridades, no território do povo isolado Hi-Merimã – o que é proibido. Por causa desse episódio, Campbell passou a ser investigado pelo Ministério Público Federal.

O imbróglio vem prejudicando o atendimento à saúde dos Jamamadi, já que as lideranças atuais dizem que servidores da Funai e da saúde indígena só poderão entrar no território novamente após o retorno do missionário. Dentre outros motivos, Campbell consolidou sua influência entre os Jamamadi por conseguir aviões e helicópteros para pessoas que necessitavam de transporte para hospitais na cidade, em casos de emergência.

Na avaliação de Everett, é preciso restringir a presença dos missionários nas terras indígenas. Porém, isso demanda investimentos em profissionais de saúde e voos de urgência, por exemplo.

"O Brasil já tentou diversas vezes expulsá-los dos territórios indígenas sem sucesso, porque eles ignoraram as decisões. E eles não vão sair apenas porque o governo falou que eles não podem ficar lá. Esses missionários acreditam que a lei de Deus está acima das leis de qualquer país", finaliza.

Reportagem realizada com apoio do Rainforest Journalism Fund (RJF) em parceria com o Pulitzer Center.


Relacionadas

  • Governo Bolsonaro ignorou suspeita de violência sexual contra meninas indígenas com HPV

  • Documento de tio de Damares sobre terra em conflito é fraudado, diz Incra

Outras notícias

  • Mapa da repressão: conheça locais citados como centros de prisões e torturas da ditadura em Curitiba

  • Jornalistas fazem primeira greve geral em mais de 40 anos em Portugal

  • Hotel Social de Curitiba é alvo de infestação de percevejos

BdF

  • Quem Somos

  • Parceiros

  • Publicidade

  • Contato

  • Newsletters

  • Política de Privacidade

Redes sociais:


Todos os conteúdos de produção exclusiva e de autoria editorial do Brasil de Fato podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que se deem os devidos créditos.

Visitantes, por favor deixem um comentário::

© 2024.sitemap